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Discursos/Pronunciamentos


Discurso pronunciado em 15/11/1963, por ocasião do 1º aniversário da Academia de Letras do Triângulo Mineiro.

"A Academia de Letras do Triângulo Mineiro comemora o primeiro aniversário de sua fundação.
Podemos afirmar, com alegria e entusiasmo que ela tem correspondido, plenamente, aos objetivos e que já se afirmou, com inconfundível prestígio, como expressão máxima da cultura, nesta região.
Veio assim, atender a uma das exigências irrecusáveis da nossa civilização.
Os aplausos constantes e numerosos que tem recebido dos intelectuais da imprensa, das entidades culturais de todas as cidades triangulinas e mesmo de outras comunas brasileira, constituem a prova melhor e mais eloquente, que tanto nos conforta e encoraja, de que ela já se consolidou, definitivamente, em sua alta e mui nobre condição de representante legítimo e autêntico da nossa inteligência.
Realizou, em sua sede, algumas conferências de excepcional valor literário e mesmo científico.
Em Uberlândia, acolhida pela simpatia afetuosa da população, promoveu uma solenidade encantadora, maravilhosa, para a posse de Eurico Silva.
Patrocina, atualmente, um concurso de contos e outro de poesias, com a participação de mais de uma centena de candidatos.
E, em breve, iniciará a publicação de sua Revista.
Da Assembleia Legislativa do Estado e das Câmaras Municipais de Uberaba e de Uberlândia tem recebido os mais generosos louvores.
Tudo isso se deve, senhores acadêmicos, ao nosso trabalho, ao nosso esforço, ao nosso carinho, a nossa dedicação, ao nosso amor a esta nossa Casa.
A Academia espera que continuemos assim a consagrar-lhe todo o nosso devotamento, elevando-a alto, muito alto, para os aplausos e a admiração do nosso povo.
E a Academia festeja esta data, que nos é tão cara, de um modo magnífico, recebendo entre seus membros efetivos o ilustre Professor Leonardo Smeele, que passa a ocupar a Cadeira que tem Cruz e Souza como patrono.
Ele vem enriquecê-la, dignificá-la e honrá-la, tornando-a mais nobre e mais conspícua.
É, como todos o reconhecem e proclamam, uma das personalidades que mais exaltam a nossa inteligência e a nossa cultura, um dos homens que melhor servem à causa da nossa civilização.
Nasceu em Haia, fez seus estudos secundários no Colégio das Missões Africanas, na Holanda, e o seu curso de Filosofia no noviciado das mesmas Missões, em Charley, na Bélgica.
Recebeu, em sua terra natal, o diploma de professor de francês e passou a trabalhar, como jornalista no jornal católico de Haia.
Em 1937 emigrou para o Brasil.
Até 1942, foi professor de latim, francês e inglês, no Ginásio Diocesano de Santa Cruz, em Castro, Estado do Paraná.
E, em 1942, tomou parte ativa na segunda Grande Guerra Mundial, incorporando-se como voluntário, às forças livres holandesas.
Esteve, então nos Estados Unidos, no Canadá, na Inglaterra e, depois, na França, na Bélgica, na Holanda e na Alemanha, lutando pela vitória da democracia, da liberdade, do direito e da justiça.
Presenciou cenas dramáticas terríveis, profundamente comovedoras que, depois exprimiu e traduziu em poemas admiráveis.
Seu coração, tão sensível, não podia deixar de enternecer-se ante tão trágicos episódios.
Na Inglaterra, foi encarregado da redação de um jornal para as forças armadas, o que bem demonstra seus altos méritos intelectuais e o excelente conceito que todos lhe devotavam.
Depois, convocado pelo Governo Holandês, trabalhou no 'Bureau' de informações de sua pátria.
Estudou, em seguida, na Universidade Cambridge, onde obteve o diploma de 'Professor de Inglês', universalmente reconhecido.
Em 1945, regressou ao Brasil, exercendo, com os aplausos e a admiração de todos os seus colegas e discípulos, a nobilíssima missão de professor em Patrocínio, Pedro Leopoldo e Belo Horizonte.
Em 1955, recebeu, com menção honrosa, o diploma professor de inglês pela Universidade de Michigan, nos Estados Unidos.
Naturalizou-se brasileiro, em 1956, passando o nosso Brasil a ser a pátria de seu amor, de seu carinho, de sua ternura, à qual tem dedicado todas as suas atividades, todos os seus ideais, a sua própria vida.
Deste 1958, é o Diretor-Fundador do 'Instituto Cultural Brasil-Estados Unidos', desta cidade, prestando a nossa mocidade e às causas de nossa civilização os mais assinalados benefícios.
É, ainda, Professor Oficial de Alemão pelo Consulado alemão de Belo Horizonte e exerce o cargo de professor de alemão (língua e literatura) na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras 'Santo Tomás de Aquino', de Uberaba, onde todos o prezam, todos o admiram, todos o louvam, todos o aplaudem.

Escreveu as seguintes obras:
Um livro de poesias, em Holandês; inúmeros artigos em jornais da Holanda, da Inglaterra e do Brasil; traduções para o holandês das obras de Teixeira Pascoaes e de José Maurício de Vasconcelos; poesias em inglês; um livro de poesias em português, ainda inédito; traduções de peças do teatro holandês para o português; artigos e poemas divulgados pelo 'Lavoura e Comércio' e pelo 'Correio Católico', desta cidade.

Tem, em preparo, um livro de contos e uma antologia de poetas contemporâneos.
É o editor do jornal do Instituto Cultural Brasil-Estados Unidos; fundador e animador de vários grêmios literários.

Meu caro Professor Leonardo Smeele,
Disse Emil Ludwig, em suas 'Memórias', que a glória de um povo não reside em sua força, nem na sua riqueza, nem no número dos seus habitantes, e sim naquilo que ele, em ciência, em arte, em literatura, em terapêutica, em invenção e alegria, puder presentear aos outros povos.
Sois professor, poeta, jornalista, homem de letras.
Um dos que constroem a nossa 'cidade espiritual'.
Antes de mais nada, sois professor.
Bendita, muitas vezes bendita, a vossa santa, a vossa sagrada missão.
Para ensinar, é preciso muito amar.
Cristo, o divino Mestre, foi o que mais amou.
Ensinar!
Que maravilha de altruísmos, de dedicações, de serviços, de sacrifícios e de amor encerra esta palavra.
Vosso mister, prezado professor Leonardo, é o de formar homens, na sua personalidade integral.
Por isso, a todos sobreleva, em importância e nobreza.
Iluminais espíritos, redimindo-os das trevas da ignorância.
Plasmais caracteres e formais corações.
Abris às gerações, que começam a viver, os amplos e claros horizontes do saber, da alegria de existir para ser útil à família, à pátria e à humanidade.
Fazeis compreender aos jovens que ninguém pode viver sem religião, sem honra, sem moral.
Infundis no espírito dos moços a certeza de que os melhores bens deste mundo são os de ordem espiritual, principalmente o Direito, a Justiça, a liberdade.
Realizais, na verdade, o milagre da transubstanciação, porque fundis a vossa alma com as almas dos vossos alunos; transmitis aos outros alguma coisa do vosso próprio ser, fazeis com que a chama do vosso ideal brilhe e fulgure no espírito dos vossos semelhantes, fazeis com que a vossa orquestra interior vibre, em sons maravilhosos, nos corações dos outros homens.
Os vossos discípulos, que são centenas, e os vossos colegas, que são tão numerosos, proclamam, por toda a parte, os vossos méritos excepcionais e as vossas excelentes virtudes de professor.
Assim, meu caro Professor Leonardo, existis para tornar o mundo melhor, segundo o lema do dominicano Frei Demarais.
'O magistério tem muito de paternidade.
Se o pai gera o filho e se a mãe lhe comunica a sua própria vida, o mestre faz nascer a luz no cérebro da criança e lhe comunica o saber.
O trabalho do professor é, de certo modo, mais desinteressado do que o do pai.
Mesmo que o mestre receba, mensalmente, uma retribuição pecuniária, esta é, geralmente, desproporcionada ao seu esforço e, muitas vezes, insuficiente.
Desproporcionada, porque o trabalho do professor não é somente o manual, como o do operário, nem exclusivamente intelectual, como o do pesquisador.
O labor do mestre é polifórmico.
Trabalha materialmente e poucos esforços físicos fadigam tanto como o de falar muitas horas seguidas, o de preocupar-se com a clareza e segurança de suas explicações, o de corrigir cadernos e tomar lições.
Além disso, ao contrário do que se dá com o conferencista, que se limita a desenvolver um tema, o professor precisa preocupar-se com o aproveitamento de cada um dos seus discípulos.
De outro lado, o mestre não atua somente sobre a inteligência do seu aluno, mas, também, sobre sua moral, sobre seu coração, sobre os seus hábitos e métodos de vida.
Qual a contribuição financeira que se pode considerar proporcionada a esses múltiplos trabalhos?
E o professor nunca enriquece, com seus honorários; ao contrário, é obrigado a viver modestamente, como pobre.
E o mestre nem tem a recompensa, que tem o pai, do carinho dos seus filhos.
'O professor vê passar, ante sua cátedra, centenas de alunos que, logo depois, o esquecem, sem dedicar-lhe, talvez, uma lembrança afetuosa, um pensamento carinhoso e amigo' (La Família - México).
Quantas e quantas vezes o mestre encontra, pelas ruas, antigos alunos, pelos quais lutou e sofreu, e que, nem ao menos o cumprimentam.
Mas, a ingratidão não o magoa ou perturba.
Cumpriu o seu dever.
E sabe que mesmo aquele que o esqueceu é conduzido, sem o perceber, pela sua palavra.
Joaquim Nabuco escreveu, magnificamente: 'O traço da vida é um desenho da criança, esquecido pelo homem, e ao quão este terá sempre de se cingir, sem o saber ...'.
Por isso, D. Pedro II disse que, se não fosse imperador, desejaria ser mestre-escola.
E Victor Hugo proclamou: 'O educador é o mestre por excelência, porque talha, não em madeira; porque esculpe, não em mármore; porque burila, não as pérolas; porque lapida, não o diamante frio e sem vida, mas o espírito mil vezes mais nobre, mais lúcido do que os preciosos minérios.
Rafael imortalizou-se na tela; Dante, na poesia; Miguel Ângelo, na escultura, Shubert, Wagner, Beethoven, na música; mas, o educador supera a todos eles, porque se imortaliza em cada homem, que educa, porque se imortaliza em cada coração, que forma'.
Acolhendo-vos, meu caro Professor Leonardo, a Academia recebe o mestre que já conquistara a imortalidade no espírito, na alma de tantos jovens, para cuja formação vem contribuindo, com ternura, carinho e amor.
Sois, também, poeta.
Ninguém pode viver sem música e sem poesia, que são a sublimação sonora da nossa alma e permitem ao homem sentir e compreender a Harmonia Universal, aproximando-se da eterna beleza e da eterna perfeição.
A vossa poesia, professor Leonardo, tem o sentido da universalidade e vossa inspiração deflui da contemplação dos mistérios do mundo e da vida.
Eu me comovi, profundamente, lendo o vosso poema 'A prece', que é, na verdade, um Salmo, que arrebata nossas almas para Deus:

'Fique comigo, Senhor,
Encha a minha alma com seu silêncio.
Fique comigo, agora, que está escurecendo.
Por todas as estradas, procuro Sua luz.

Descanso no Senhor, que sei vivo,
Eternamente jovem, novo, belo.
Aqueça meu corpo, Senhor,
Eternamente, com o calor de sua existência,
Gloriosa, grande, invisível, eterna.'

Já viajastes, prezado professor, por vários países e regiões e conheceis diversos povos.
Tomastes parte da segunda Grande Guerra mundial e assististes a muitas tragédias, a muitos horrores e sofrimentos.
Por isso, vossa poesia tem, enternecidamente, o sentido do amor, da ternura, da fraternidade.

E cantais:

'Sobre o mundo de Deus caiu o silêncio
pesado da ameaça, do medo.
Crianças em vestes brancas brincam
Sob as janelas de casas desconhecidas.

Não quebram o silêncio — aumentam-no.
Passos dum velho numa igreja vazia...
E tantas igrejas estão vazias, estes dias.
Não vamos lá um pouco, ou vamos?

Podia este tempo ser a paz harmoniosa:

Milhões de túmulos militares pedem-na silenciosamente
Por toda a parte, neste mundo, que Deus tanto amou.
Mas ninguém ouve o silêncio das cruzes brancas.
Dançamos sobre cadáveres de uma geração assassinada.
Aumentamos conferências e armas atômicas.
Conversamos, mentimos, esperamos, tememos,
Enquanto os assassinados nos acusam com seu silêncio'.

E como seria bom se todos os homens pudessem dar-se as mãos e cantassem, numa ciranda tão enternecedora, como a das crianças.

Vós dizeis em 'Um Lugar sob o Sol':

'Venha ver, meu filho, como tudo é harmonioso
e bom, simplesmente bom no mundo.
Venha ver as rodas das crianças nas noites
De luar, embaixo de minha janela.

Rosa, Ana Maria, Amália, Joana.
As vogais cantam na frescura noturna.
As vozes sobre: Rosa, Rosa, Rosa.
Maria está no meio da roda'.

Em vossa poesia, encontramos admirável variedade de ritmos sonoros, que lhe dão forma musical.

'Poesia, primitivamente, foi música.
Por isso, é infinita em si mesma.
Vibra, em ondas de harmonia, em nossa alma'.

Como são sonoros os vossos versos!

'Cheiro de terra, cheiro de vida,
chuva, ô chuva, ânimo, coragem,
Caia com força, cantando nas folhas,
Telhados, sombrinhas das moças.

Chuva, ô chuva, seja de casa, visite a gente horas e dias.
Venha, ó chuva, dê-nos a benção,
Molhando a testa de quem olha o céu!'

Nós vos recebemos, na Academia, aplaudindo-vos pelas belezas, que criais, pelas emoções que vossos versos nos despertam, pelos consolos que espalhais, pelos sonhos e esperanças que iluminais.
E ainda sois poliglota.
Eça de Queiroz disse que 'um homem só deve falar com impecável segurança e pureza, a língua de sua terra: - todas as outras as deve falar mal, orgulhosamente mal, com aquele acento falso e chato que denuncia, logo, o estrangeiro. Falemos nobremente mal, patrioticamente mal, a língua dos outros'.
Vós não seguistes o conselho do maior romancista da língua portuguesa. Versais tantos idiomas, com a facilidade, a maestria, a sutileza com que falais e escreveis o holandês.
Porque vós sabeis, como afirmou o mesmo Eça, que as línguas são instrumentos do saber.
Procurais, através delas, vislumbrar a sabedoria universal.
Jornalista, sois dos que só tomam da pena para amparar e estimular as causas justas, as ideias nobres, as iniciativas úteis; para apontar os rumos da verdade e do bem; para incentivar e para encorajar, para confortar e consolar, para defender o direito, a justiça e a liberdade; para exaltar o trabalho; para dignificar a virtude; para difundir o saber; para infundir nos espíritos e nos corações a fé, a esperança, os sentimentos de bondade e de fraternidade, e nunca para mentir, para difamar, para corromper, para induzir em erro os seus semelhantes.
Contista, em vossas páginas encontramos o próprio homem, na sua profunda realidade humana, com suas virtudes e os seus defeitos, com sua nobreza e suas misérias morais, com suas paixões, com seus problemas psicológicos e sociais, com suas falhas e os seus heroísmos, com seus amores, seus sonhos, seus ideais.
Homem de fé, estais sempre voltado para Deus, rogando-lhe que vos dê sabedoria e força para que o reveleis a todas as almas, para que possais olhar o mundo 'com os olhos cheios de amor, sendo paciente, compreensivo, manso e prudente.'

Professor Leonardo Smeele, a Academia vos recebe em festas porque, em vosso nome, ela ainda mais se ilustra e se enobrece, a Academia vos recebe em festas, na certeza de que contribuireis, magnificamente, para que seu nome cada dia mais se exalte; para que seus trabalhos sejam, em verdade, profícuos, para que seu prestígio sempre se amplie, conquistando simpatia e os aplausos dos homens de inteligência e de cultura do Triângulo Mineiro; para que cumpra, com galhardia, vitoriosamente, todos os seus objetivos e finalidades.
Para patrono da vossa Cadeira, escolhestes Cruz e Souza, o 'negro de ouro', chefe da Escola Simbolista, no Brasil.
Os simbolistas partiam do princípio de que há estados da alma que são inefáveis, que não se dizem, que não se traduzem, que não se exprimem por meio da linguagem.
Podem, apenas, ser sentidos.
Por isso, não exprimiam o pensamento com precisão, ficando, sempre, alguma coisa envolta em névoas, para ser adivinhada, sentida pelo leitor.
E usavam os 'símbolos', objetos ou ideias, que pudessem evocar aqueles estados da alma. A poesia simbolista é puramente sugestiva.
O simbolismo foi um misticismo nebuloso.
Confesso que, de um modo geral, não me agradam os simbolistas.
Prefiro a poesia plástica e luminosa dos parnasianos.
Mas, reconheço em Cruz e Souza um dos mais nobres poetas da língua portuguesa.
Batido pelos sofrimentos, não procurou derivativos no álcool, nem em dissoluções, mas na arte, na poesia.
Diz um dos nossos críticos modernos: 'Cruz e Souza ganhara o dom dos vocábulos. Manejou-os suntuosamente. Termos a granel, dispostos com eloquência inebriante e muita musicalidade. Ritmo fogoso e reluzente forma. Há alguma coisa de meteoro em sua arte. Possuiu, como nenhum outro, no Brasil, a habilidade de sugerir, de provocar aquelas emoções indefinidas. Nababo das palavras, enfileirava-as em cadência embaladora, conduzindo-nos para as regiões vagas do encantamento, onde se elaboram os eflúvios indescritíveis da sensibilidade.
Percebe-se, nele, um fluxo exuberante de formas, de harmonias, de sentimentos.
Uma volúpia torrencial, quase explosiva, de declarar sua alma ardente no mais vigoroso ritmo vocabular evocativo'
A Academia se enaltece, na glória do vosso patrono."

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